27 novembro, 2008

Paizinho querido

Assistindo ao espetáculo pronto, ainda hoje, já fizemos umas 15 apresentações se não me engano, das quais todas eu pude assistir, em alguns momentos sempre me emociono, se me deixo levar pela emoção, logo uma lágrima começa a rolar. Me emociono em perceber o crescimento dos nossos “bebês”, a maneira com que cada um pôde lidar e superar suas dificuldades em relação ao tema pai transformando-as em amor e poesia; me emociono com as metáforas que desenrolam a cada cena transfigurada em amor, amor que tanto prezamos em nosso grupo, tema recorrente em todos os nossos espetáculos e que neste, o último, talvez por ser o mais novo nos parece ainda mais amoroso e delicado! Ah e como é bom deliciar-se com um espetáculo do qual você conhece cada pedacinho! No processo de estudos teóricos partimos do tripé PAI/PAÍSES/PAZ. Muito material foi trazido suscitando reflexões tais como a nossa colonização paranaense recheada de tantas diferenças, a compreensão do nosso Brasil como um território de convivência pacifica entre vários povos; Inspiramos-nos na figura do colonizador como o semeador dando margem a várias divagações poéticas elegendo esta figura, a do semeador, como o nosso pai, o que da a vida e só por isso já lhe devemos ser gratos. Essa compreensão trouxe aos que precisavam uma possibilidade de amor verdadeiro em relação ao seu próprio pai independente dele ter sido ideal ou não. Começamos a “perdoar” nossos pais. A partir daí chegamos no biocentrismo. Seu estudo nos mostrou sob novos pontos de vista a força inerente da vida e seus ciclos. Foram trazidos também alguns textos arte educativos destacando a importância e a responsabilidade do trabalho que desenvolvemos enquanto formadores de opinião. Refletimos sobre o “bom” e o “mau” teatro e sobre qual teatro queremos fazer; sobre a necessidade de conhecer e respeitar a criança procurando, através do nosso trabalho, abrir seus horizontes na direção de um mundo onírico, profundo, sensível, poético, divertido, amoroso e verdadeiro. Procurando compartilhar também suas dores e anseios. Durante o período de ensaios, como em todos os nossos espetáculos, trabalhamos com a com/criação – tarefa árdua onde tudo é compartilhado por todos e toda idéia deve passar pelo filtro de cada um. Dessa massa amorfa as cenas vão sendo criadas, não sem dor e exposição, dúvidas, insegurança e ansiedade. Desta vez, utilizamos um método sugerido pela direção: dividir a condução inicial das cenas entre três assistentes. A direção nos indagava sobre um tema, neste caso, um tipo de pai a ser desenvolvido e cada um de nós tinha liberdade de propor a maneira como trabalharíamos tais cenas com os atores. Esta experiência provou nossa capacidade de trabalhar em conjunto, mesmo na direção, tarefa muitas vezes deixada a cargo de uma única, solitária e por vezes egocêntrica pessoa, nossa capacidade de agregar informações, sentimentos e sensações, digerir e transfigurar tudo isso buscando a comunicação de uma obra, domando os egos e equalizando vários desejos. A prática da humildade e da generosidade, a capacidade de permitir que o outro coloque o mais de si. Neste ponto nossa diretora é voraz, voraz em tirar de cada um o máximo aprofundando a reflexão na busca de transformar a realidade em poesia e brincadeira e assim comunicar. O trabalho de construção de personagem foi sendo conduzido aos poucos à medida que entendíamos que “tipos” seriam nossos contadores de histórias. Chegamos aos Tingas, misto de bicho e gente, seres oníricos, habitantes de florestas secas em busca de paz, alimento e de desvendar quem é o pai deste mundo. Trabalhamos com os atores buscando uma figura corporal que lembrasse bichinhos, destacando características por eles apresentadas, que lembravam animais específicos: pássaro, roedor/esquilo e felino. Uma das qualidades de movimento mais pesquisadas foi a pontuada em diversas velocidades nos interessando a mais a rápida. Esta pesquisa aparece no resultado onde vemos personagens bem dinâmicos, cada um com características próprias, porém complementares. Corpos que instigam a curiosidade da criança que assiste e se identifica com sua agilidade e esperteza. Utilizamos diversas técnicas para a preparação corporal, desde o ballet a jogos improvisacionais e brincadeiras, animação de objetos e a busca perfeccionista da precisão - a la Wal Mayans, criando a nossa maneira de fundir técnicas, suavizando-as no resultado. O que se vê no espetáculo não é um apanhado de técnicas, mas, uma obra recheada de conteúdos corporais, vocais, e filosóficos, coerentes entre si, alicerçados numa dramaturgia que tem o que dizer e sabe do que diz. Isso só é possível por ser gerado ao longo de um processo, por uma equipe que trabalha diariamente de forma comprometida, ou seja UM GRUPO. Nesta experiência meu maior desafio foi trabalhar como assistente de direção. Minha insegurança e ansiedade em relação ao como propor algo pro grupo foi muito grande, quebrei a cabeça de tanto pensar, até perceber que estar atento e ao mesmo tempo relaxado é um bom começo pra idéias fluírem. Não é nada fácil concretizar uma idéia, ainda mais quando se cria em conjunto, pois essa idéia deve ser dinâmica pra que se possa aproveitar o potencial de cada um, ao mesmo tempo deve ser estimulante, pra que todos se envolvam empenhados em sua realização e ainda, não podemos perder o foco, senão ela se esvai. Aí está minha dificuldade: ser firme num propósito e ao mesmo tempo flexível aproveitando todas as idéias. Em muitos momentos me senti perdida diante de um grupo por vezes imaturo como eu, em persistir numa idéia de cada vez procurando canalizar sua energia criativa em prol dessa idéia e não de uma nova, afinal não estamos competindo pra ver quem da mais idéias. Pra mim outro momento delicado do processo foi quando chegamos à conclusão de que a coreografia inicial não servia mais. Trabalhamos por 3 meses nela. Foi importante “superar essa perda”. Cheguei a me sentir aliviada o que representa um amadurecimento pra uma virginiana. Ao final da primeira temporada nas regionais, os atores quiseram fazer o espetáculo com a coreografia, pra se despedir. Ali percebi meu amadurecido, pra mim, já era página virada, afinal, pra obra, não tinha mais sentido e isso é o que basta.

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